A Arte Barroca e Maneirista

O período artístico que deixou mais testemunhos no concelho de Celorico da Beira foi o da arte barroca, nome que lembra os penedos, ou barrocos daquela região.
Esta arte nasceu num período em que a Europa estava profundamente perturbada pelos conflitos religiosos da contra-reforma. Talvez por essa razão, seja uma arte inquieta, traduzida por um jogo de luzes e sombras, marcado pelo contraste entre entablamentos curvos e frontões partidos ou recortados, enquadrados no céu azul e por vezes na paisagem serrana, também barroca.
Neste concelho de Celorico a arte barroca procurou ampliar as igrejas já existentes, remodelando-lhes as fachadas. Com esta simulação renovadora foram mutilados muitos monumentos, mas houve alguns que foram construídos desde os alicerces.
Este movimento renovador barroco foi profundamente estimulado pelo comércio e pelas industrias locais. A pecuária, a cultura do bicho da seda, o aumento da produção de vinho, a exploração do estanho e o fabrico de panos (lambéis) eram as principais fontes de riqueza desta região.
Muitas povoações empenharam-se para reconstruir a sua Igreja, tomando compromissos que as comissões fabriqueiras foram amortizando ao longo de decénios.
Dos templos mais representativos da arte barroca, no concelho de Celorico da Beira contam-se os exteriores da Igreja da Misericórdia da Vila, a Igreja matriz da Carrapichana, a da Mesquitela, a de Cadafaz e a Capela de Santa Ana, na Velosa. Nos interiores (trabalhos de talha e pintura) a Igreja de Santa Maria, em Celorico da Beira, e os templos de Açores, Linhares, Vale de Azares e Velosa. Quanto a solares, citamos como os mais notáveis, os da familia dos Amarais, de Vale de Azares, transplantado para perto do Porto da Carne e o da familia Aragão Machuca, na Lajeosa. Há também alguns chafarizes, como a Fonte de S. Caetano, em Linhares (1821), este no gosto rocaille, datando do século XVIII.
Resta também um considerável número de igrejas e capelas barrocas pobres, mas com beleza, assim como os solares na vila de Celorico, em Açores, no Baraçal, em Linhares, na Lajeosa. Junto dos caminhos há calvários e alminhas, em singelo gosto barroco e maneirista.
A escultura esta representada em talhas douradas e na imaginária de algumas das igrejas a que já nos referimos. A arte mobiliária e a arte litúrgica, muito desfalcadas, conservam ainda alguns espécimes de valor. Apresentamos em linhas gerais, um inventário das obras de maior interesse artístico existentes em igrejas e capelas deste concelho.
Igreja de Santa Maria (em Celorico da. Beira). Foi Colegiada do padroado real, nos séculos XVI e XVII. Deste período conserva ainda testemunhos arquitectónicos, o mais belo um magnífico portal clássico, enquadrado por duas elegantes colunas jónicas, caneladas e encimado por um frontão triangular, formando o conjunto uma excelente moldura. Mas, o edifício foi adulterado no século XVIII. O altar-mor é de boa talha dourada e a cobertura da nave pintada com numerosos quadros. Assim, na capela-mor há quarenta e dois e no corpo da Igreja, sessenta e oito representando motivos religiosos. Estas pinturas barrocas, não desprovidas de beleza, maneiristas e até antevendo um certo impressionismo, que naquela altura foi mal recebido, devem-se a um artista natural de Trancoso. A ele se refere o presbítero Luís Villela:

«Nesta Igreja, é onde o célebre Artista Isidoro de Faria mostrou o seu grande génio, pois o painel de S. Pedro, que fica no meio deste lindo edifício, entre vistosas e delicadas tarjas, este painel é todo bem acabado

Igreja de S. Pedroinicialmente um templo de transição romanico-gótico, fundado pelos Templários, foi também profundamente adulterado. O arco de volta inteira da capela-mor é barroco. A igreja é de três naves, comunicando por arcos. O coro édo século XVIII, em castanho, provavelmente da época de D. João V. A imagem de N. Senhora do Carmo (séc. XVIII) é a mais valiosa desta igreja.

Igreja da Misericórdia(Celorico da Beira).
Trata-se de um pequeno templo bem proporcionado, construído em finais do século XVIII, revelando a evolução barroca para o rococo. A fachada principal tem um frontão de elegante recorte, encimado por fogaréus. Duas aberturas na fachada principal: a porta e o janelão, bem enquadrados e harmonizadas. Há também aberturas laterais no mesmo gosto. Janelas de avental. Construída em 1789, ano da Revolução Francesa.
Igreja de AçoresÉ este um das mais antigas igrejas da Beira. Está profundamente adulterada pelos enxertos barrocos, mas notam-se ainda vestígios do edifício gótico.
A fachada principal é muito simples. 0 janelão que encima o portal, ladeado e rematado por volutas, lembra um enorme brasão. Cunhais de cantaria e um friso no entablamento completam a decoração. No interior o altar-mor com baldaquino, é uma explosão de talha dourada, ao gosto Joanino. O tecto tem painéis com pinturas. No coro, com talha simples, lê-se 1719. Uma sepultura está datada de 1661. No exterior, na portada, 1735.
Dois grandes anjos tocheiros são as peças escultóricas de maior interesse. Ex-votos testemunham a idolatria do culto mariano e vários painéis laterais evocam também os supostos milagres. A igreja foi reconstruída em 1790, o que lhe produziu mais adulterações. Aqui se encontra a célebre inscrição visigótica, que já referimos. No altar haveria também um Crucifixo, oferecido por D. Sancho I, que alguém guardou e não tivemos oportunidade de examinar.
As igrejas de Cadafaz, Carvalheda, Mesquitela e Carrapichana são de frontão recortado, encimado por fogaréus, enquanto que as de Maçal do Chão, Rapa, Açores, Linhares, Ratoeira, Vale de Azares são de ático triangular. Vide-entre-Vinhas é também deste tipo, embora, originariamente, fosse um edifício românico. Tem campanário anexo. As igrejas da Carrapichana e a da Mesquitela, com uma torre sineira, mostram influências da Igreja da Misericórdia da Guarda, construída no período joanino, assemelhando-se a da Carrapichana mais á da Guarda pela elegância. Data de 1810 e a torre de 1846. A igreja da Mesquitela foi incendiada pelos franceses.
O apogeu da arte barroca, através da profusa decoração maneirista rococó, encontra-se na capela de Santa Ana, na Velosa. Data de 1786. (Período de D. Maria I).
O altar-mor é magnifico. Exteriormente tem um púlpito rocaille saliente, encostado à fachada principal. Nesta se rasga uma elegante porta, também no mesmo estilo. A Igreja matriz, possui, no interior, altares rococó. No tecto da capela‑mor há pinturas em caixotão e um brasão de abade, com cordão rematado por dois pares de borlas e capelo.

O professor Ramos de Oliveira, com base nas datas da construção dos edifícios concluiu dever tratar-se do Padre Manuel Magalhães de Andrade, que aqui paroquiou de 1760 a 1790.